por Maria Elisa Alves
Plantar maconha em casa para não financiar bandidos tem sido um discurso cada vez mais comum entre usuários de classe média. Mas, na última terça-feira, a prisão de um engenheiro de 67 anos e de seu filho de 31, que cultivavam 108 pés da droga numa cobertura no Recreio, trouxe à tona uma polêmica: o que pode ser classificado como cultivo para uso próprio (como os dois alegaram) e o que pode ser caracterizado como tráfico (como a polícia vê o caso)? Vale a pena ter mudas em casa ou droga é droga? A discussão tem mobilizado usuários, especialistas no tratamento de dependentes, advogados e policiais.
Para a presidente do Conselho Municipal Antidrogas, Sílvia Pontes, não há dúvidas. Para ela, é um absurdo cultivar maconha em casa: — Maconha é droga, é proibido. Em vez de plantar, este pai deveria ter dado princípios morais e éticos ao filho, conscientizálo sobre os malefícios.
Facilidade de acesso pode levar ao uso exagerado Menos veemente, mas também contrário ao cultivo, o psiquiatra Jorge Jaber, sócio de uma clínica de recuperação de dependentes, diz que um dos perigos de ter a Cannabisem casa é aumentar o consumo da droga pela facilidade de acesso.
— A pessoa pode começar a plantar para ter um cigarro por dia, mas quando perceber que tem maconha para quatro, vai fumar os quatro — diz Jaber, afirmando ser balela dizer que a plantação caseira desabastece o tráfico. — Tem quem plante verduras orgânicas, mas a feira e o sacolão continuam. Com a maconha é a mesma coisa: é pouca gente plantando em casa, não afeta em nada o tráfico.
O baterista Pedro Caetano, da banda de reggae Ponto de Equilíbrio, discorda. Para ele, é questão de honra não gastar dinheiro em bocas de fumo. Ele viu o pai ser morto por traficantes, em Vila Isabel, em 2004. Usuário de maconha, desde o crime ele cultivava a planta. Há dois meses, teve a casa, em Niterói, invadida pela polícia. Foi preso, acusado de tráfico, por ter 14 pés no quintal, e chegou a dividir cela com 70 pessoas.
Seu advogado convenceu o promotor e o juiz que o músico era usuário, não traficante. Pela lei, quem adquire ou semeia maconha para consumo pessoal não é preso, mas pode ser obrigado a prestar serviços à comunidade ou a frequentar programas educativos.
O problema, segundo especialistas, é que os critérios para determinar se a droga se destina ao consumo pessoal são subjetivos.
A lei estabelece que o juiz observará a quantidade, o local e as condições da apreensão, as circunstâncias sociais e pessoais da pessoa flagrada.
— A lei precisa ser mais clara.
Fui acusado de tráfico pela polícia tendo só 14 pés de uma planta que há na natureza — reclama Pedro.
Para Gerardo Santiago, advogado da Marcha da Maconha e que tenta libertar Francisco e Gustavo Grossi, o pai e filho presos no Recreio, o fato de a família ter 108 pés em casa não quer dizer nada: — As plantas não estão no mesmo estágio. Tinha mudas, plantas macho, que não servem para nada. A polícia encontrou, pronta para consumo, apenas 75 gramas. Isso dá para 70 cigarros.
Se cada um fumasse dois por dia, não duraria um mês.
Para o advogado, o que deve pautar a polícia na hora de decidir se a plantação é para tráfico ou uso próprio são provas materiais: — Quem vende, tem a contabilidade, o papel para embalar, o que não era o caso deles.
O engenheiro ganha R$ 12 mil por mês, não precisaria vender maconha. Se o usuário não é preso, o plantador para uso próprio também não deve ser — avalia Gerardo.
O inspetor de polícia Flávio Cardoso, que participou da prisão no Recreio, tem outra visão.
Segundo ele, o pai e filho tinham, além de muitos vasos de maconha na varanda, uma estufa em um dos quartos, com diversos refletores e dois aparelhos de ar condicionado ligados.
— Eles gast a v a m R $ 2 mil só de luz, tinham cadernos com horários de rega, regras de cultivo.
Era muito trabalho e despesa para uso próprio.
Para evitar critérios subjetivos na hora de enquadrar quem planta maconha, o advogado Nilo Batista, que ajudou na elaboração do pedido de liberação da Marcha da Maconha no Rio, defende que se regulamente a plantação.
— Se você tem um controle pela legalidade, permitindo que se plantem até tantos pés, não haveria problema. Do modo atual, o que acontece é a distinção de classe. O pobre que planta é preso por tráfico, a pessoa de classe média geralmente é encarada como usuária — critica.
Rubem Cesar Fernandes, diretor do Viva Rio e membro da Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia, diz que a entidade tentou articular em fevereiro, com deputados de vários partidos, que fosse apresentado ao Congresso um novo projeto de lei sobre drogas, com critérios mais objetivos sobre consumo pessoal.
— Mas, como é polêmico, por causa das eleições, os parlamentares preferiram discutir somente após novembro — diz Rubem, para quem é uma tendência mundial o plantio em casa.
— Nos Estados Unidos, o plantio é permitido em 14 estados.
Na Europa, tem país que deixa quatro pés, outros dez. A lei brasileira é irreal. Se tenho maconha e dou para um amigo, estou traficando. Mas o consumo de maconha é gregário, o normal é fumar com outra pessoa.
Presidente do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Atenção ao Uso de Drogas (Nepad), a psicanalista Ivone Ponczek acha que a discussão principal não é sobre plantar em casa ou comprar nas ruas a maconha.
— Não interessa a origem, se ela vem daqui ou dali. O que importa é a relação que a pessoa tem com a droga. Se é uma compulsão ou se é algo de uso moderado. A utilização da maconha é de livre arbítrio, mas não se pode negar que a droga, de maneira abusiva, faz mal. Seja em casa ou não.
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