" Ser governado é... Ser guardado à vista, inspecionado, espionado, dirigido, legislado, regulamentado, parqueado, endoutrinado, predicado, controlado, calculado, apreciado, censurado, comandado, por seres que não têm nem o título, nem a ciência, nem a virtude (...). Ser governado é ser, a cada operação, a cada transação, a cada movimento, notado, registrado, recenseado, tarifado, selado, medido, cotado, avaliado, patenteado, licenciado, autorizado, rotulado, admoestado, impedido, reformado, reenviado, corrigido. É, sob o pretexto da utilidade pública e em nome do interesse geral, ser submetido à contribuição, utilizado, resgatado, explorado, monopolizado, extorquido, pressionado, mistificado, roubado; e depois, à menor resistência, à primeira palavra de queixa, reprimido, multado, vilipendiado, vexado, acossado, maltratado, espancado, desarmado, garroteado, aprisionado, fuzilado, metralhado, julgado, condenado, deportado, sacrificado, vendido, traído e, no máximo grau, jogado, ridicularizado, ultrajado, desonrado. Eis o governo, eis a justiça, eis a sua moral!

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

ENTREVISTA COM A FEDERAÇÃO ANARQUISTA GAÚCHA

PROTESTO NÃO É CRIME!
ENTREVISTA COM A FEDERAÇÃO ANARQUISTA GAÚCHA

O jornal Socialismo Libertário, periódico nacional do Fórum do Anarquismo
Organizado (FAO), conversou com um militante da Federação Anarquista
Gaúcha, FAG, neste momento em que se aproxima a data da audiência na qual
6 militantes da organização foram intimados. Será no dia 19 de julho e
contará com a presença da governadora Yeda Crusius em pessoa, fazendo a
sua denúncia contra a FAG.

Socialismo Libertário:Poderíamos fazer uma pequena retrospectiva dos fatos
que levaram vocês a terem a sede invadida pela polícia civil e seus
militantes intimados judicialmente?

Militante Faguista: Em 21 de agosto, durante uma sinistra operação de
guerra montada pela Brigada Militar no despejo da ocupação dos
trabalhadores do MST na fazenda Southall, no município de São Gabriel, foi
assassinado Elton Brum. O crime foi ato premeditado do Estado. O
companheiro Sem Terra foi alvejado pelas costas pela polícia com disparo
de calibre 12. Esse fato comoveu todo o movimento popular e sindical,
direitos humanos e grupos de foro internacional. Imediatamente se
organizaram caravanas solidárias para São Gabriel, a cidade onde se
consumou um golpe de morte que era anunciado pelas escalada de violência
do Estado contra o protesto e a pobreza. Em Porto Alegre no mesmo dia
levantamos com outros setores organizados da luta um ato de solidariedade
ao MST e de repúdio ao governo de Yeda Crusius e a Brigada Militar. Dessa
mobilização imediata resultou a decisão da FAG de levar pra rua uma
campanha de agitação denunciando o crime e responsabilizando os seus
mandantes, nesse caso o chefe das operações e o governo do Estado. Pois a
própria Yeda Crusius em pessoa fez uma queixa crime contra os militantes
da FAG por calúnia e difamação e abriu este processo judicial que se
arrasta até sabe-se lá quando.

SL:Como vocês definiriam a conjuntura para os movimentos populares no RS,
nos últimos anos?

MF: Em uma análise discutida e aprovada pelo Conselho Federal da
organização que recorria aos fatos repressivos e os esquemas corruptos que
sucediam a leitura que fizemos era de evidências de um Estado policial com
alto grau de truculência, dentro do regime democrático burguês, aos pobres
e os setores organizados da luta. Vivemos a combinação explosiva de um
governo corrupto até a medula, de uma oposição parlamentar rendida as
cláusulas neoliberais do empréstimo do Banco Mundial e uma pauta
repressiva implacável às manifestações da pobreza e do protesto social nas
ruas ou no campo. Essa conjuntura ainda teve a mediação de um discurso
reacionário que ganhou circulação pela mídia e pedia mão pesada contra as
“desordens” que vem de baixo. Nessa produção poderosa da comunicação
dominante ganhou palco e holofote o comandante da Brigada Militar Paulo
Roberto Mendes que foi batizado “capitão Nascimento dos Pampas”. Paralelo
ao fogo cruzado dos inquéritos, investigações e polêmicas que
convulsionavam a máquina do governo e também do ajuste fiscal que
desmontou com os serviços públicos e a política social, o comandante
Mendes era o símbolo da ação do Estado.

Em 2008 a luta de classes no estado do RGS passou por um momento
brutalmente repressivo enquanto o governo de Yeda Crusius se equilibrava
na corda bamba para passar impune a fraude com dinheiro público do
Departamento Estadual do Trânsito, a língua solta do vice-governador
Feijó, a morte mal explicada do representante do estado em Brasília, caixa
dois de campanha pra compra da mansão da governadora, etc... Como
dissemos, em 2008 a mão pesada desceu o cacete. Pra lembrar melhor. Em
janeiro o encontro estadual do MST em Sarandi foi cercado, paralisado e
invadido por um contingente absurdo da polícia constituindo numa grave
violação dos direitos democráticos. Em fevereiro uma manifestação do
Encontro Latino Americano de Organizações Populares (ELAOPA) em Porto
Alegre, durante conferência mundial das cidades teve que se defender da
agressão policial. Em Rosário do Sul, na jornada das mulheres camponesas
pelo 8 de março uma ocupação em terras da zona de fronteira que são
ilegalmente invadidas pela empresa sueco-finlandesa Stora Enzo terminou
reprimida selvagemente sem discriminação de crianças. Pela metade do ano
mais episódios. Uma batalha em frente a um supermercado da rede Wall Mart
em Porto Alegre deixou vários companheiros de mov. Sociais do campo e da
cidade feridos e um em estado grave. Em Passo Fundo na ocupação da Bunge
mais violência policial. Um piquete de grevistas do sindicato dos
bancários em Porto Alegre foi surrado covardemente. A marcha dos sem, que
todos os anos se realiza na capital do Rio Grande foi proibida de chegar
perto do palácio do governo e dispersada a balas de borracha e bombas
pelas forças repressivas.

Uma ação do Ministério Público estadual pediu a cabeça do MST, suspendeu
as escolas itinerantes, quis por fora da lei, proibir, amordaçar, a maior
força social dos oprimidos do país. A conjuntura tinha prenúncios
sinistros de morte, de perda de companheiro, dada a escalada repressiva
que investiu com força sobre a resistência popular. Nos bairros e vilas da
periferia, nas favelas, a prisão sobretudo da juventude negra e pobre foi
incorporada no aparelho como política de limpeza social. Foi assim que se
fez em 21de agosto de 2009 o assassinato do trabalhador sem terra Elton
Brum. Em meio a peleja histórica que faz o MST no coração do latifúndio,
na “terra dos generais” chamada São Gabriel.

Pois nos parece que desse padrão repressivo intenso que resistimos agora
nos sobrou a judicialização dos conflitos. É onde estamos. O governo Yeda
voltou a caça as bruxas no final de mandato contra os seus opositores.
Pelo menos três casos são emblemáticos desses ataques judiciais. O
protesto em frente a residência da governadora organizado por sindicatos e
partidos de esquerda; a campanha publicitária do fórum dos servidores
públicos, liderada pelo Cpers-Sindicato contra o governo; e a propaganda
da FAG denunciando os responsáveis pelo assassinato de Elton Brum. Todos
chamados ao Foro Central na 6° vara criminal para responder a queixas
crimes da governadora como réus.

SL: Por que, na opinião de vocês, o assassinato de Elton Brum não gerou
uma onda de protesto, como costuma ocorrer nestes casos, como por exemplo,
na Argentina (Dario Santillán e Maxiliano Kosteck) ou Grécia (Alexandrous
Grigoropoulos)?

MF: O assassinato estava inscrito dentro de uma conjuntura mais geral onde
atravessavam as lutas e mobilizações populares contra a dura política de
ajuste fiscal do governo. Temos nossa própria avaliação, nossas hipóteses
sobre isso. Estava formada no Rio Grande do Sul uma campanha que tinha
centro na luta política contra o governo, pelo Fora Yeda, que contava como
setor mais dinâmico das cidades o sindicato dos trabalhadores da educação.
O governo Yeda vinha colecionando escândalos e cambaleando no fogo cruzado
da crise política, com fraturas expostas na própria base. Uma Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI) foi instalada na Assembleia Legislativa do
estado que deu cena ao PT e suas ambições eleitorais. O reformismo ganhou
protagonismo como intermediário político da luta que se ampliava nas ruas
e nos locais de trabalho do setor público. Com o tempo o parlamento e a
comissão de inquérito passou a ganhar lugar mais decisivo, deslocou a ação
direta popular. Esse é o primeiro elemento.

O segundo é o prejuízo que resultou a falta de independência de classe do
movimento sindical, especialmente das forças organizadas na CUT, que se
burocratizaram aos trâmites da CPI e os interesses evidentes do PT em
sangrar o governo até as próximas eleições esvaziando a luta das ruas e
ganhando protagonismo pela oposição no parlamento. Essa relação de correia
da central sindical com o PT explica a ausência completa de um plano de
ação contra os acordos do governo Yeda com o Banco Mundial que na
Assembleia Legislativa tiveram aprovação unânime, incluso do PT e do PC do
B. Pois a falta de independência de classe que nos referimos impediu que
se realizassem modalidades mais fortes de ação que pudessem provocar a
caída do governo.

Em terceiro, o acontecimento de São Gabriel, o assassinato de Elton Brum,
elevava o grau da crise política gaúcha para uma situação em que um plano
de ação direta unificado, do campo e da cidade, como por exemplo: a
paralisação de todo o serviço público, piquetes nas zonas industriais ou o
bloqueio de estradas e rodovias poderiam ter desestabilizado seriamente o
governo do estado e mudado a correlação de forças a nosso favor.

A concepção reformista não procura decisão pela luta direta dos
interessados, o que pode fugir do seu controle, mas pelos intermediários.
O movimento popular e sindical é grupo de pressão enquanto os agentes
parlamentares decidem e ganham os créditos.

SL: Qual tem sido o papel da imprensa gaúcha nos episódios de violência
policial?

MF: Das mídias burguesas foi evidentemente de uma desinformação criminosa.
Os grupos dominantes da comunicação são parte fundamental de uma estrutura
de poder que pôs na agenda da política a criminalização do protesto e da
pobreza.

SL:Que papel tem uma organização política anarquista num momento como este?

MF: Somos uma pequena organização dentro desse cenário, contudo fizemos
nosso lugar nas lutas que fizeram pauta na sociedade. Estar junto com os
que lutam deve ser um lema dos anarquistas, em qualquer lugar. Lutar
contra um governo corrupto e neoliberal e defender resolutamente as
liberdades públicas, apostando na força social das ruas, na ação direta
popular é nossa razão de ser. É aí que se abre perspectiva libertária, que
se geram relações de força para formas de poder popular contra os
intermediários reformistas.

SL:Vocês têm recebido solidariedade de fora do RS, como têm sido isso?

MF: Muita, muita solidariedade. De todos os cantos do Brasil, de nossa
América Latina e do Mundo. Logo depois da invasão da polícia na sede da
FAG, em poucos dias, se fizeram atos solidários no Uruguai, na Argentina,
na Espanha, na França, etc... Distintos grupos, organizações, militantes,
meios alternativos e libertários nos fizeram chegar seu apoio. Somos muito
agradecidos por todos e todas que nessa hora se moveram por essa causa.

SL:O que esperar para o dia 19 de julho?

MF: Mobilização da FAG e de todos e todas que sejam solidários, ou que
façam causa comum na pauta contra a criminalização do protesto. No dia 19
de julho estaremos concentrados para um ato de protesto. Não reconhecemos
a acusação de calúnia e difamação que a governadora nos imputa. Estaremos
até o fim por justiça e punição dos responsáveis pelo assassinato de Elton
Brum.

SL:Palavras finais?

MF: Não tá morto quem peleia!!!


--
Federação Anarquista do Rio de Janeiro - FARJ
farj@riseup.net
www.farj.org
Cx Postal 14576 CEP 22412-970. Rio de Janeiro/R

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