" Ser governado é... Ser guardado à vista, inspecionado, espionado, dirigido, legislado, regulamentado, parqueado, endoutrinado, predicado, controlado, calculado, apreciado, censurado, comandado, por seres que não têm nem o título, nem a ciência, nem a virtude (...). Ser governado é ser, a cada operação, a cada transação, a cada movimento, notado, registrado, recenseado, tarifado, selado, medido, cotado, avaliado, patenteado, licenciado, autorizado, rotulado, admoestado, impedido, reformado, reenviado, corrigido. É, sob o pretexto da utilidade pública e em nome do interesse geral, ser submetido à contribuição, utilizado, resgatado, explorado, monopolizado, extorquido, pressionado, mistificado, roubado; e depois, à menor resistência, à primeira palavra de queixa, reprimido, multado, vilipendiado, vexado, acossado, maltratado, espancado, desarmado, garroteado, aprisionado, fuzilado, metralhado, julgado, condenado, deportado, sacrificado, vendido, traído e, no máximo grau, jogado, ridicularizado, ultrajado, desonrado. Eis o governo, eis a justiça, eis a sua moral!

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Sobrevivente de Auschwitz monta banda de rap!

Esther Bejarano, uma das últimas integrantes sobreviventes da orquestra de mulheres de Auschwitz, fez música a vida inteira. Agora ela uniu-se a uma banda de hip hop para manter viva a memória do Holocausto

O som é familiar: batidas rápidas, rimas austeras, vocais poderosos apoiados por vozes femininas de fundo. Ao que parece, hip hop padrão.
No entanto, parece haver alguma coisa errada: as letras – algumas são em iídiche, outras em hebraico, e até em italiano. E, além disso, há aquela voz. Sem dúvida é muito velha para vir de um artista de hip hop, não?

Sim, caso o ouvinte tenha sido criado no mundo de rap no estilo de gangues, repleto de astros cercados por auxiliares quase nuas, conforme se vê na MTV. Mas Esther Bejarano, uma das estrelas de um novo álbum curioso e convincente – e do documentário que o acompanhará e que está em fase de produção – nunca esteve na MTV. Ela é uma das últimas integrantes sobreviventes da Orquestra de Garotas de Auschwitz, que era obrigada a tocar enquanto trens cheios de judeus e ciganos chegavam ao campo. Agora, junto como os seus filhos, ela fez um CD com os rappers do grupo Microphone Mafia, de Colônia. Quem quiser pode chamar o estilo de hip hop Holocausto.
“Isso é sem dúvida algo um pouco diferente daquilo que normalmente fazemos”, disse a “Spiegel Online” a minúscula Bejarano, de 85 anos, referindo-se ao seu grupo Coincidence, que inclui a sua filha Edina e o filho Joram, e que normalmente toca músicas judaicas e antifascistas. “Mas eu sei que esse tal de hip hop é popular entre a juventude. Achei que se trabalhássemos juntos, os jovens poderiam aprender mais sobre o que aconteceu naquela época”.

O álbum, chamado Per La Vita, inclui músicas com tema de resistência como Desateur e Avanti Popolo. Mas ele foi remixado para incluir rimas criadas por Kutly Yurtseven e Rossi Pennino, do Microphone Mafia, uma dupla de hip hop que está em atividade desde o lançamento do seu álbum de estreia em 1994.

E ele conseguiu um modesto sucesso, sendo que uma das músicas do CD é atualmente a número dois em uma lista de sucessos musicais criada para promover a música pop em língua alemã. A banda está atualmente fazendo apresentações pela Alemanha, com várias datas já marcadas para fevereiro, incluindo um show em Berlim no dia 27.

Porém, de forma geral, o álbum atraiu exatamente aquele tipo de atenção que os artistas esperavam. O projeto originou-se como uma resposta à iniciativa neonazista de distribuição de música de direita em pátios escolares em toda a Alemanha. A Confederação dos Sindicatos Alemães (DGB) perguntou ao Microphone Mafia em 2007 se o grupo estaria disposto a lançar um CD próprio – versões em rap de músicas judaicas para que os professores as distribuíssem aos alunos.

“Que máfia”?
O DGB sugeriu que Yurtseven, filho de trabalhadores turcos que vieram para a Alemanha durante o Milagre Econômico do país, entrasse em contato com Bejarano. “Assim, eu telefonei”, contou Yurtseven no último domingo, durante um evento em Hamburgo para a promoção do projeto. “Quando eu me apresentei, fez-se um silêncio total na linha. A seguir ela perguntou: ‘Que mafia?’. No início foi muito estranho”, disse Yurtseven a Spiegel Online.

Um clipe breve do filme a ser lançado (ele será concluído em algum momento mais para o final deste ano) mostra uma Bejarano de expressão enigmática no momento em que soube o que Yurtseven fez com o seu material. “Isso não se parece nada com as minhas músicas”, disse Bejarano.

Porém, pouco depois esse grupo improvável percebeu que tinha esbarrado em algo interessante. “Eu de fato passei a perceber como a música é capaz de unir as pessoas – ela realmente rompe fronteiras”, diz Yurtseven.

A própria banda proporciona muitas evidências disso. A parceira de Yurtseven do Microfone Mafia, Rosário Pennino, é oriunda de uma família católica que, de forma similar, mudou-se para a Alemanha em uma época em que o país importava mão-de-obra para alimentar o rápido crescimento econômico do pós-guerra. Os dois juntaram forças no final da década de 80, em parte para falar sobre a experiência de ser estrangeiro na Alemanha.

“Pura zombaria”
De fato, foi o foco do Microphone Mafia no deslocamento social que fez do grupo um parceiro óbvio para Bejarano. No entanto, havia diferenças culturais a superar.

“Eles são gente muito boa, mas são meio caóticos”, diz Bejarano com uma risada, referindo-se aos seus parceiros hip hop. “Eles pulam bastante quando estão no palco. Eu lhes disse que talvez devêssemos reduzir um pouco esse ímpeto, mas as pessoas receberam o trabalho muito bem. Elas dançam e elogiam muito”.

Bejarano e a sua família pretendiam deixar a Alemanha nazista e mudar para a Palestina no início da Segunda Guerra Mundial, mas foram presos e enviados para um campo de trabalhos forçados não muito distante de Berlim, em uma cidade chamada Fürstenwalde Spree. Em 1943, quando tinha 18 anos de idade, ela foi deportada para Auschwitz. Bejarano conta que inicialmente foi obrigada a carregar pedras pesadas de um lado para outro de um campo. “No dia seguinte, tínhamos que carregar as pedras de volta”, recorda-se ela. “Era pura zombaria”.

Mas seis semanas depois ela ouviu dizer que as SS estavam procurando mulheres para uma nova orquestra. “Eu disse que era capaz de tocar acordeão, um instrumento que nunca tocara antes, mas eu sabia tocar piano”, conta ela. Os guardas do campo obrigavam a orquestra a tocar quando os trens descarregavam as vítimas destinadas às câmaras de gás.

“Muita coisa a fazer”
“Eu vi muitas coisas ruins e passei por experiências horríveis”, diz ela. “Mas o pior foi tocar quando os trens traziam pessoas para as câmaras de gás – e eu sabia para onde eles iam, e eles não tinham a menor ideia do que lhes esperava. Isso é algo que jamais esquecerei. Foi terrível”.

Bejarano acabou sendo enviada para o campo de concentração de mulheres em Ravensbrück, antes de escapar de uma marcha forçada, alguns dias antes do final da guerra. Os seus pais e a irmã morreram no Holocausto.

Desde então, ela dedicou a sua vida à música e a manter viva a memória do Holocausto. Ela visita regularmente escolas na Alemanha, onde conta a sua história com uma franqueza amigável. Tendo tocado durante anos na banda Coincidence, ela está longe de ser uma estranha aos palcos.

E agora Bejarano está na rota para tornar-se uma estrela do hip hop. “Nós pretendemos gravar um outro CD”, diz ela. “Temos muita coisa a fazer”.



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