" Ser governado é... Ser guardado à vista, inspecionado, espionado, dirigido, legislado, regulamentado, parqueado, endoutrinado, predicado, controlado, calculado, apreciado, censurado, comandado, por seres que não têm nem o título, nem a ciência, nem a virtude (...). Ser governado é ser, a cada operação, a cada transação, a cada movimento, notado, registrado, recenseado, tarifado, selado, medido, cotado, avaliado, patenteado, licenciado, autorizado, rotulado, admoestado, impedido, reformado, reenviado, corrigido. É, sob o pretexto da utilidade pública e em nome do interesse geral, ser submetido à contribuição, utilizado, resgatado, explorado, monopolizado, extorquido, pressionado, mistificado, roubado; e depois, à menor resistência, à primeira palavra de queixa, reprimido, multado, vilipendiado, vexado, acossado, maltratado, espancado, desarmado, garroteado, aprisionado, fuzilado, metralhado, julgado, condenado, deportado, sacrificado, vendido, traído e, no máximo grau, jogado, ridicularizado, ultrajado, desonrado. Eis o governo, eis a justiça, eis a sua moral!

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Critérios para diferenciar cultivo para uso ou tráfico seriam muito subjetivos



por Maria Elisa Alves

Plantar maconha em casa para não financiar bandidos tem sido um discurso cada vez mais comum entre usuários de classe média. Mas, na última terça-feira, a prisão de um engenheiro de 67 anos e de seu filho de 31, que cultivavam 108 pés da droga numa cobertura no Recreio, trouxe à tona uma polêmica: o que pode ser classificado como cultivo para uso próprio (como os dois alegaram) e o que pode ser caracterizado como tráfico (como a polícia vê o caso)? Vale a pena ter mudas em casa ou droga é droga? A discussão tem mobilizado usuários, especialistas no tratamento de dependentes, advogados e policiais.

Para a presidente do Conselho Municipal Antidrogas, Sílvia Pontes, não há dúvidas. Para ela, é um absurdo cultivar maconha em casa: — Maconha é droga, é proibido. Em vez de plantar, este pai deveria ter dado princípios morais e éticos ao filho, conscientizálo sobre os malefícios.

Facilidade de acesso pode levar ao uso exagerado Menos veemente, mas também contrário ao cultivo, o psiquiatra Jorge Jaber, sócio de uma clínica de recuperação de dependentes, diz que um dos perigos de ter a Cannabisem casa é aumentar o consumo da droga pela facilidade de acesso.

— A pessoa pode começar a plantar para ter um cigarro por dia, mas quando perceber que tem maconha para quatro, vai fumar os quatro — diz Jaber, afirmando ser balela dizer que a plantação caseira desabastece o tráfico. — Tem quem plante verduras orgânicas, mas a feira e o sacolão continuam. Com a maconha é a mesma coisa: é pouca gente plantando em casa, não afeta em nada o tráfico.

O baterista Pedro Caetano, da banda de reggae Ponto de Equilíbrio, discorda. Para ele, é questão de honra não gastar dinheiro em bocas de fumo. Ele viu o pai ser morto por traficantes, em Vila Isabel, em 2004. Usuário de maconha, desde o crime ele cultivava a planta. Há dois meses, teve a casa, em Niterói, invadida pela polícia. Foi preso, acusado de tráfico, por ter 14 pés no quintal, e chegou a dividir cela com 70 pessoas.

Seu advogado convenceu o promotor e o juiz que o músico era usuário, não traficante. Pela lei, quem adquire ou semeia maconha para consumo pessoal não é preso, mas pode ser obrigado a prestar serviços à comunidade ou a frequentar programas educativos.

O problema, segundo especialistas, é que os critérios para determinar se a droga se destina ao consumo pessoal são subjetivos.

A lei estabelece que o juiz observará a quantidade, o local e as condições da apreensão, as circunstâncias sociais e pessoais da pessoa flagrada.

— A lei precisa ser mais clara.
Fui acusado de tráfico pela polícia tendo só 14 pés de uma planta que há na natureza — reclama Pedro.

Para Gerardo Santiago, advogado da Marcha da Maconha e que tenta libertar Francisco e Gustavo Grossi, o pai e filho presos no Recreio, o fato de a família ter 108 pés em casa não quer dizer nada: — As plantas não estão no mesmo estágio. Tinha mudas, plantas macho, que não servem para nada. A polícia encontrou, pronta para consumo, apenas 75 gramas. Isso dá para 70 cigarros.

Se cada um fumasse dois por dia, não duraria um mês.

Para o advogado, o que deve pautar a polícia na hora de decidir se a plantação é para tráfico ou uso próprio são provas materiais: — Quem vende, tem a contabilidade, o papel para embalar, o que não era o caso deles.
O engenheiro ganha R$ 12 mil por mês, não precisaria vender maconha. Se o usuário não é preso, o plantador para uso próprio também não deve ser — avalia Gerardo.

O inspetor de polícia Flávio Cardoso, que participou da prisão no Recreio, tem outra visão.

Segundo ele, o pai e filho tinham, além de muitos vasos de maconha na varanda, uma estufa em um dos quartos, com diversos refletores e dois aparelhos de ar condicionado ligados.

— Eles gast a v a m R $ 2 mil só de luz, tinham cadernos com horários de rega, regras de cultivo.

Era muito trabalho e despesa para uso próprio.
Para evitar critérios subjetivos na hora de enquadrar quem planta maconha, o advogado Nilo Batista, que ajudou na elaboração do pedido de liberação da Marcha da Maconha no Rio, defende que se regulamente a plantação.

— Se você tem um controle pela legalidade, permitindo que se plantem até tantos pés, não haveria problema. Do modo atual, o que acontece é a distinção de classe. O pobre que planta é preso por tráfico, a pessoa de classe média geralmente é encarada como usuária — critica.

Rubem Cesar Fernandes, diretor do Viva Rio e membro da Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia, diz que a entidade tentou articular em fevereiro, com deputados de vários partidos, que fosse apresentado ao Congresso um novo projeto de lei sobre drogas, com critérios mais objetivos sobre consumo pessoal.
— Mas, como é polêmico, por causa das eleições, os parlamentares preferiram discutir somente após novembro — diz Rubem, para quem é uma tendência mundial o plantio em casa.

— Nos Estados Unidos, o plantio é permitido em 14 estados.

Na Europa, tem país que deixa quatro pés, outros dez. A lei brasileira é irreal. Se tenho maconha e dou para um amigo, estou traficando. Mas o consumo de maconha é gregário, o normal é fumar com outra pessoa.

Presidente do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Atenção ao Uso de Drogas (Nepad), a psicanalista Ivone Ponczek acha que a discussão principal não é sobre plantar em casa ou comprar nas ruas a maconha.

— Não interessa a origem, se ela vem daqui ou dali. O que importa é a relação que a pessoa tem com a droga. Se é uma compulsão ou se é algo de uso moderado. A utilização da maconha é de livre arbítrio, mas não se pode negar que a droga, de maneira abusiva, faz mal. Seja em casa ou não.

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